11 de ago. de 2013

Adeus, Urbano... Mestre e Irmão...

Adeus, Urbano...

O Urbano partiu há dois dias… 
… e eu estou no Sul, bem no Sul… escrevo de um terraço onde se avista a cidade mediterrânica - emaranhado de chaminés, terraços e muitas paredes  brancas, poderia ser Tânger  - e vou, resolvi, depois de saber a triste notícia, telefonar à Ana Maria, enviar-lhe um telegrama de abraço e outro do CEDA e falar com amigos que estão em Lisboa, inclusive para me representarem , resolvi dizia, manter a minha informal relação como sempre tive com o Urbano, longe das cerimónias oficiais e de facebooks e postes em que meio mundo resolveu postar uma fotografia ou um autógrafo com o Urbano…  não é a minha onda…
o Urbano que merecia o Prémio Camões – como o próprio chegou a dizer publicamente e em privado com alguma revolta – e eu acrescento merecia o Prémio Pessoa e porque não Prémio Nobel?! …em 2006 propus-lhe, criarmos , eu e outros amigos, a partir do CEDA um movimento público,  com o intuito de lançar a sua candidatura, mas o Urbano, agradeceu-me emocionado e recusou resignado, desculpou-se com o pouco peso da tradução das suas obras em língua inglesa… para não dizer nos lobbies que determinam o Nobel, dizemos nós.
O Urbano era comunista, é comunista e talvez por isso não lhes concederam os prémios a que tinha mais que direito!
Ontem, sábado, o Urbano é capa e vem justamente muito referenciado nos jornais diários – tendo eu comprado dois, o que quase nunca fiz, no mesmo dia – com bons textos de Isabel Lucas, de Nuno Júdice (Público) e do amigo João Céu e Silva (DN)…
Recordei-me logo que o Miguel Real também devia ter sido convidado para escrever sobre o Urbano!: é que tenho em meu poder um texto excelente do Miguel Real, 13 páginas em que faz uma análise completa, magnifica da obra do Urbano. O Miguel é um Amigo que conheci pessoalmente há poucos meses através de um outro Amigo, o João Morales, e para além de ser um grande escritor ficcionista, ensaísta – o Fernando Mão de Ferro (Colibri) considera-o o melhor escritor contemporâneo – teve a grandeza humana de, nas III Jornadas Literárias de Montemor-o-Novo, a 25 de Maio – ter aceite a poucas horas antes das mesmas, e ter feito uma bela apresentação do último livro do Urbano A Imensa Boca dessa Angústia e outras histórias,– quando outros faltaram, uns justificadamente, mas outros não – à ,talvez, última grande homenagem realizada em vida do Urbano, justamente nas referidas Jornadas – e eu, a moderar a mesa, pedi uma salva de palmas para o Miguel Real e para a Ana Pereira Neto, a minha Anita – que, face a um contratempo informático imprevisto, numa tarde de mais de 30 graus foi a meu pedido à casa do Urbano - Montemor, Lisboa, Montemor  - que mal conhecia, para o termos ao vivo, com algumas imagens e a voz comovida e fraterna do Urbano – tendo ao seu lado a sempre bem disposta Ana Maria e o irrequieto pequeno António Urbano. E eu, na mesa, disse que eles, o Miguel e a Anita – com aqueles seus gestos consubstanciavam a grande generosidade que marcou toda a vida do Urbano.
Nos últimos 15 anos – o que são 15 anos numa vida tão intensa de quase 90 e literária de 60 anos – em que privei com o Urbano?Lembro-me dele ter apoiado activamente a Homenagem ao José da Fonte Santa realizada em 1999 e Santiago do Cacém – na organização do livro de Poesia  que a Isabel Fonte Santa coordenou e onde escreveu o prefácio e deu diversas sugestões, inclusive o título da Exposição “José da fonte Santa – Mulheres, Pombas e Cavalos”, que itinerou durante mais de três anos por mais de 30 locais – desde Castro Verde a Vila Franca de Xira - esteve na sessão que realizou na Casa do Alentejo, numa mesa ontem também usaram da palavra Domingos Carvalho, Francisco Dias da Costa, nós, José Chita;  esteve na célebre sessão – no mesmo Salão Agostinho Fortes na Casa do Alentejo  de apresentação pública do CEDA – com António Borges, Coelho, António Ventura, Cláudio Torres, Moisés Espírito Santo, Salwa Castelo-Branco, José Chitas, em representação da Casa do Alentejo e ainda nós e Pedro Alves; presidiu, a nosso convite, às três edições do Prémio Literário Pedro Ferro – em 2005, 2006 e 2007 – e escreveu o prefácio da Nova Antologia de Poetas Alentejanos que editamos há um ano… e sempre que lhe pedimos participou, apoiou generosamente novos autores, deslocando-se inclusive à Casa do Alentejo para apresentar livros… e esteve sempre disponível, para dar sugestões e conselhos e apoiar-nos com frontalidade como aconteceu em 2004 quando alguns oportunistas sem carácter tentaram desvirtuar o CEDA a seu bel-prazer. O Urbano deu-me então uma grande prova de Amizade, tendo-me inclusive chamado a sua casa perante calúnias lançadas a pessoas honradas do CEDA como eu, o Domingos Montemor e outros companheiros e apoiado a lista que liderei – e que venceu as eleições – como aconteceu com as esmagadora maioria das 20 personalidades do Conselho Científico. Poderia ter tomado uma posição neutra, como aconteceu com duas personalidades com que continuei a manter a Amizade, era mais cómodo, mas o Urbano, com tolerância e humanismo foi sempre um Homem de coragem de assumir as opções – o que o prejudicou pessoal e profissional durante a ditadura e porventura, literariamente nos nossos dias.
Orgulhamo-nos de ter realizado/coordenado diversas homenagens ao Urbano:
na qualidade de Vice-presidente da Casa do Alentejo em  2003 – tendo como convidados José Luís Peixoto e Possidónio Cachapa, que acabara de conhecer e em 2004; no aniversário da Casa; enquanto Presidente do  CEDA em 2006, com entre outros Manuel Gusmão e, mais recentemente nas III Jornadas Literárias de Montemor-o-Novo, por proposta nossa, -onde, para além  da referida excelente intervenção de Miguel Real e da passagem do interessantíssimo documentário de Possidónio Cachapa, que comentou o seu “Adeus à Brisa”- sobre a Vida e a Obra do Urbano, também Hélder Costa e António Melo nos deliciaram com histórias pouco conhecidas da resistência – onde o Urbano, então já um dos mais prestigiados escritores portugueses, com a grande generosidade e coragem, ajudava jovens desertores  a passarem a fronteira a salto. Os seus depoimentos, bem como um poema inédito de José Jorge Letria e um extenso e e interessante texto de Maria Graciete Besse , residente em França e considerada especialista na obra do Urbano, bem como de outros autores presentes nesta Jornadas, virão, prevê-se , integrar um livro a sair em Dezembro, por ocasião dos 90 anos do nascimento do Urbano. Com estes e outros depoimentos, certamente irá constituir  um contributo muito interessante para a História da oposição ao Estado Novo e para um conhecimento mais profundo da Vida e Obra do Urbano, nomeadamente através da consulta de mais de 10 mil folhas de cerca de 20 processos, envolvendo inclusive as três prisões pela PIDE em 1961, 1963 e 1968 – tendo relativamente à segunda encontrado três poemas inéditos dedicados à sua primeira mulher, Maria Judite de Carvalho, lidos nesta sessão das Jornadas, onde os autarcas Hortênsia Menino e João Marques, respectivamente Presidente e Vereador da Cultura do Município estiveram presentes.
Na XIV Semana Cultural do Laranjeiro , penso que em termos absolutos, a última homenagem prestada em vida ao Urbano, também por proposta nossa, realizada a 1 de Julho de 2013, que moderamos, com intervenções excelentes tanto do Hélder Costa como do Miguel Real e ainda dos autarcas Mara Figueiredo – presidente – e Brás Borges – Cultura – e o Amigo Luís Palma –Educação e Juventude . O Amigo Luís Palma, então muito jovem,  integrou o direcção do CEDA em 2004/2006 como Vice-presidente e viveu intensamente essa contenda eleitoral , umas eleições movimentadíssimas, em que participaram quase 90% do associados.
Boa sorte Luís Palma para a tua batalha eleitoral!

Serás um excelente Presidente da freguesia mais populosa de Almada – com a junção do Laranjeiro e Feijó!
Nas dezenas de vezes de tive o privilégio de falar e privar com o Urbano e da sua amizade, nomeadamente nos últimos anos
Numa das visitas que lhe fiz, quando ele estava a escrever Os Cadernos Secretos do Prior do Crato - a propósito de D. António, Pior do Crato, que teve 10 filhos de 10 mães, que vivia dividido, dilacerado, entre a entrega a uma fé verdadeira e pura e a entrega plena à sensualidade feminina, afinal a mais bela razão de ser do homem. Foi num dia em que Urbano não tinha muitos compromissos, passamos uma tarde a falar e, a páginas tantas, estávamos a discorrer sobre os amores passados. Olhando para o fundo da memória, concordávamos que de nada nos arrependíamos, excepto num aspecto… ser melhor. Foi tão forte a partilha que, por momentos olvidei que 38 anos separavam mestre e o discípulo
(excerto de poste de Abril de 2011)
 ou mais recentemente, já este ano, em que ia amiúde a sua casa relatar-lhe as minhas pesquisas nos seus Processos dos Arquivos da PIDE existentes na Torre do Tombo e o Urbano me contou  tantas histórias das suas vivências na resistência à ditadura – como aquelas que o Hélder o e António Melo relatam, mas também outras, outras vivências pessoais enquanto repórter, enquanto grande sedutor e conhecedor do universo feminino, da grande amizade e admiração que sempre o ligou ao irmão Miguel (Urbano Rodrigues) ou como ainda gostaria de escrever sobre o pai, da dificuldade de relacionamento por este não aceitar a opção do irmão – que se tinha exilado depois de ter participado no “Assalto ao Santa Maria”, então aquele Homem sábio, doce e franzino de quase 90 anos transfigurou-se num menino frágil que fala no pai enternecido, cheio de carinho, de Amor, que gostava de escrever sobre ele, tinha essa necessidade, como que a repor algo meio século depois…
Há duas semanas , estive em casa do Urbano e ele, de uma assentada, escreveu o  texto para Junta de Freguesia do Laranjeiro, sobre a homenagem ali acontecida, e que o Luís Palma publicou recentemente no facebook.
Há uma semana fui de novo visitá-lo, fui levar-lhe a Memória Alentejana , que lhe fazia diversas referências, e ele teve que se recolher um pouco para mudar de roupa, mas disse-me: “Eduardo, não estás com pressa? Eu demoro, podes esperar por mim? Eu respondi afirmativamente, mas como pressenti que ele não estava bem - só bebera um sumo nesse dia, confidencio-me a Ana Maria – achei melhor não o incomodar e combinei voltar depois das férias… para falarmos mais demoradamente….

Deixo este seu poema inédito até há duas semanas quando foi publicado na Memória Alentejana.
Poema feito de imediato para um projecto ainda não concretizado ”Novos temas para o Cante”. Um projecto para o futuro, como a sua Escrita, a sua Mensagem de Luz, de Fraternidade, de homem Livre!

Memória Alentejana



Era o antigo Alentejo

O das grandes descobertas

          da minha infância

o Maio em flor

em mil papoulas nos trigais

saramagas e grisandas

             enredadas

       na terra crua

           Ergue-se o meio dia

                     ardente

               sobre o mundo

e uma luz de cristal transparente

             fere os corpos e as pedras

         mas deixa alegria branca.

     Cantam naquele silêncio

       ranchos de trabalhadores

           rurais que sonham

        um amanhã

                    de igualdade

         nos corações das casas

               de terra e pasto

            e a flor da paz

                sorri-lhes

           como só ela

               sabe sorrir na epifania

                 na apoteose da luz só.



                      Urbano Tavares Rodrigues

                          13 de Fevereiro de 2012

                                (in Memória Alentejana)




Adeus Urbano!....



Até sempre Mestre!

Até sempre Irmão!

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