Foi com este título, que mantemos, que publicámos, na edição de Outubro, a crónica mensal que assinamos no jornal Folha de Montemor. Este poste, no essencial, corresponde á referida crónica.
Por estes dias foi-me dado contemplar a estátua de
Afonso Henriques, com o seu olhar majestoso naquela elevação entre os campos
planos de Beja – os famosos barros de Beja, os mais ricos da Europa – e a zona serrana
que que culmina a sudoeste com a serra de Monchique, que há mais de 850 anos,
com a sua sagacidade a percepção alargada do mundo fundou um novo reino com
futuro. Esse homem com sangue Borgonha
mas também com o do seu avô Afonso VI, que antes de ser o chefe cristão todo
poderoso que pus o al-Andalus a ferro e fogo, viveu na Toledo muçulmana. Já
Homem maduro, Afonso VI acolheu na sua corte a bela princesa Zaida que acabara
de assistir à morte do príncipe sua marido em Sevilha e à prisão e desterro para o Sul de Marrocos
do seu sogro, o Poeta-rei, Almutâmide, às mãos
do implacável chefe almorávida Yusufi. Afonso VI que tantos acordos e batalhas
travara com Almutâmide - este derrotara em Zalaca num contingente com Yusufi –
e vira o seu braço direito, Poeta e grande amigo Ibne Amar vencê-lo no célebre
jogo de xadrez onde Amar apostou o reino do seu senhor e conseguiu que o
cristão levantasse o cerco de Sevilha.Certamente Afonso era um homem de palavra e também de
paixões, pois enamorou-se pela bela Zaida, que lhe deu o único filho varão, o
infante Sancho, que ainda muito jovem, morreu às mãos do almorávida em Uclés.
Poderá parecer estranho falarmos de Afonso Henriques
e do contexto histórico da nacionalidade numa crónica supostamente sobre o 5 de
Outubro. É que, como os revolucionários de 1910 fundaram um novo regime, Afonso
Henriques, foi um revolucionário para o seu tempo – a sua instalação em Coimbra
e os seus homens de confiança, “o seu bando”, cavaleiros-vilãos originários da baixa
nobreza, muitos deles de ascendência moçárabe, possibilitou-lhe a compreensão
de que um novo país só era viável com a complementaridade do Norte e do Sul. A sua capacidade negociadora permitiu-lhe
sitiar Lisboa mas também impedir o
massacre da população de Lisboa - o que
conseguiu parcialmente – face a um poder militar superior ao seu dos cruzados
que o “ajudaram assim como o acordo de não agressão mútua que terá estabelecido
com Ibne Qasî – na altura senhor de Silves e Mértola e com estátua nesta
vila-museu.
Isto faz de Afonso Henriques, não o cruel e
sanguinário mata-mouros, com a ideologia ultramontana salazarista o apelidou,
mas um Homem moderno para o seu tempo, mais do que um guerreiro, um diplomata
sagaz e inteligente, com visão mais alargada que a dos Infanções e
Ricos-Homens, seus poderosos súbditos, de quem se “libertou” ao se instalar em
Coimbra, lançando os alicerces da fundação da nação portuguesa.
A República e a (primeira) greve geral de 1912
O regime que emerge em 1910, apesar de debilidades
várias e herdeiro de um regime monárquico-liberal destroçado - onde uma
alternância entre Regeneradores e Progressistas afundara o país, que muitas
semelhanças encontramos nos últimos anos do actual regime -, ainda assim houve enormes transformações: na
igualdade formal de todos perante a Lei, leis da Separação da Igreja e do
Estado (Registo Civil obrigatório) , do Divórcio, da Família, no Ensino (implentação da instrução
pública desde o pré-primária aosuperior - Universidades de Lisboa e do Porto),
na reanimação da vida cultural e grande desenvolvimento da associativa,
liberdade de imprensa ou possibilitando o desenvolvimento do movimento operário
e sindical que vai impor legislação laboral importante (descanso semanal
obrigatório, assistência social); todavia insuficiente face à emancipação
social das classes mais desfavorecidas, o que gerou tensões e confrontos com o
operariado - Greve dos Conserveiros
(Setúbal, Março de 1911) e dos Assalariados Rurais (Évora e parte do Alentejo,
Montemor-o-Novo incluído, Janeiro de 1912) e que motivou a primeira greve geral
e o divórcio entre o operariado e a República, pois fora das grandes cidades,
no seio dos republicanos, dominavam forças conservadoras ligadas à alta burguesia
agrária e industrial, que não viam com bons olhos a as reivindicações e estas reformas, depois
anuladas por Salazar e que só vieram a ser reconquistadas em 1974 e… hoje
correm novamente perigo…
"Afonso Costa, um talentoso estadista"
Ainda assim ,
conforme nos refere João Honrado, um dos mais respeitados antifascistas
portugueses (passou 14 anos nas prisões salazaristas devido a sua militância
comunista) numa Conferência que proferiu em 1985 na Universidade de
Frankfurt-am-Main e depois publicado Associação
de Municípios do Distrito Beja em 1994 com o título 25 de Abril de 1974. Um
Pouco de História da Nossa História (disponível na Biblioteca Municipal),
uma interessante análise com uma objectividade surpreendente, onde alia umarigorosa
investigação com uma vivênciainvulgar, nomeadamente do terceiro quartel do
século XX português. Mas, a respeito da República, diz-nos João Honrado: “O
Chefe do Partido democrático, Afonso Costa, era um talentoso estadista e
possuía uma enorme capacidade de acção, «muito acima do pessoal político do
novo regime». Antifascista antes do fascismo, em 1913 presidia ao Governo e
conseguiu durante algum tempo parar a anarquia administrativa e equilibrar o
orçamento, a desastrosa situação herdada da monarquia. A oposição dos outros
partidos crescia, ao mesmo tempo que o apoio popular se desenvolvia à volta do
Partido Democrático.”
Hoje, face à situação actual de destruição e
desnorte, perante a crescente perca da independência nacional é chegado o
momento de honrar figuras históricas como as referidas, ou outras como D. João
II – o “Princípe Perfeito”, ou o povo anómino, os “sem história”, mas que, com
a sua adesão entusiástica, transformaram interesses palacianos e corporativos
em amplos movimentos e revoluções com repercussões nacionais, europeias e até
mundiais, como “1383”, a Expansão Marítima, o “5 de Outubro” ... ou o "25 de Abril"!
Liberté, Égalité, Fraternité
Saibamos e tenhamos a lucidez e a sapiência de,
secundarizando as diferenças,
Alentejanas (os) e Portuguesas (os)
que se identificam com os mais nobres valores como os que nos ficaram da
Revolução Francesa : “Liberté, Egualité, Fraternité”, dizer basta aos
indivíduos incapazes e sem escrúpulos, que dia após dia estão a vender o país
ao emergente imperialismo alemão – que até nos impõem a morte prematura de
doentes sem cura possível para racionar os medicamentos, perspectiva que lembra
as câmaras de gás hitlerianas, com que a que médicos sem escrúpulos se
prestaram a pactuar.
Mas se nós, cidadãos, temos esse dever sagrado de
defender valores e políticas que possibilitem vivermos com dignidade e haver um
futuro para os nossos descendentes, os partidos e as forças políticas, sociais
e sindicais, que podem ser a alternativa, têm também a grande responsabilidade
de, não perdendo as suas características, saibam encontrar consensos,
porventura alargados, democráticos e necessariamente de esquerda para se
encontrar um rumo para se voltar aos ideais do 25 de Abril e à Constituição da
República Portuguesa, literalmente rasgada, pelos muitos “incapazes” e oportunistas,
no Governo, no aparelho de Estado, em várias estâncias, com cargos efectivos
e/ou camuflados, têm corroído o regime democrático, que hoje, em Outubro de
2012, caminha a passos largos para a destruição.
Há que encontrar a convergência e salvar o regime
democrático antes que seja tarde. Termino transcrevendo um excerto, que numa
muito recente investigação nos Arquivos da PIDE, na Torre do Tombo, tive acesso (jornal Avante! ano 30- Série VI nº
293 / Setembro de 1960), intitulado
“Viva
o 5 de Outubro! Viva a unidade anti - fascista!
(…)Ao passar o 50º aniversário da Revolução
republicana, o «Avante!» saúda calorosamente todos os lutadores anti- fascistas
sem distinção e apela para a unificação de todas as forças democráticas na luta
por um regime de liberdade. Unidos
fraternamente e ligados ao povo, tal como os revolucionários do 5 de Outubro,
os anti- fascistas alcançarão a vitória!”
Pois é…52 depois, que actualidade encontramos neste
apelo!...
... e que a Revolução do 5 de Outubro continue a ser dignificada e comemorada por quem assim o entender; e a ser correctamente divulgada aos mais jovens o avanço civilizacional que significou a República face à Monarquia constitucional ... e o retrocesso que aconteceu com a ditadura salazarista
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