5 de jul. de 2008

Jornada em Serpa, a Vila Branca e Evocação de Al Mouhatamid em Baja, a luminosa




Foi no dia 6 de Junho. Quarenta e oito horas depois de um recital no Feira do Livro de Évora, Praça Giraldo, com os companheiros Francisco Naia, Ricardo Fonseca e José Carita, numa noite por sinal bem fria, percorríamos agora velozes o Alentejo a Sul, e passávamos à desfilhada frente ao castelo altaneiro com a maior torre de menagem, a capital da planície, a luminosa, a radiosa que é exactamente o significado do topónimo Baja – a designação no período islâmico, depois de ter sido a Pax Júlia romana…Dirigíamo-nos para a Vila Branca, a suave Serpa, uma estivemos numa tertúlia organizada pelo amigo Paulo Barriga – poeta, jornalista, crítico literário no Diário do Alentejo… naquele espaço mitíco que um outro amigo, Luís Afonso, o cartoonista um dia baptizou com o belo poema de Sophia, que um outro amigo, o Francisco Fanhais cantou como canta o rouxinol “Vemos, Ouvimos e Lemos”. Pois é, é a VOL, onde no pátio interior, tipicamente mediterrânico, onde foram chegando amigos e ficamos, pela noite, esta bem quente, e desafiar o Naia a cantar mais uma, e ele a entusiasmar-se e… o que se previa ser um excerto do recital de dois dias antes, que dura quase duas horas, durou quase quatro… começaram a chegar amigos…





o João Mário Caldeira que apresentou esta 3ª edição livro em destaque Canto de Intervenção- 1960-1974, o Bartolomeu Afonso, autarca em Aljustrel e pai do Luís, o Pedro Mestre, o jovem mas já mestre; tocador, construtor e divulgador da viola campaniça, a mesma viola que o Ricardo Fonseca dedilhou ao anoitecer com um som mágico e o cheiro de flor de estevas – ouvir tocar viola campaniça faz-me chegar o sabor, o cheiro inconfundível da flor de esteva – o Ricardo que esta a fazer um percurso muito rico interessante com a viola campaniça, explorando-a, estilizando-a, quase como se fosse um alaúde, ele que aprendeu a tocar um dia a dar aulas em Almodôvar, a terra daquele amigo artesão que fez questão de ir ou… aquela amiga que conheceu o Naia há mais de 25 anos num recital no Canadá e… veio dar-lhe um abraço…
















... foi bonito voltar a estar naquele espaço que visitei a primeira vez há 5 anos, em plena “Manifesta”, numa tarde bem quente de suão; um grupo de amigos a refrescarmo-nos com todas aquelas cervejas estrangeiras que o Luís (Afonso) disponibilizava, e… muito perto de mim, quase lhe saboreava o cheiro, uma mulher linda, a mulher mais bonita do mundo…Outra agradável surpresa foi o alojamento: a casa antiga e bem familiar e bem alentejana – a “Casa de Serpa”, logo no outro lado do largo… e o regresso logo ao final da manhã, a coração a dizer saudade, tanta vontade de ficar, tanta…












...que logo na semana seguinte, exactamente sete dias depois, também ao cair da tarde não resisti e… percorri os 28 quilómetros entre a cidade luminosa e… Vila Branca… mas antes parei demoradamente na ponte que atravessa o grande rio do Sul, o belo Guadiana e… levei o meu pai, que me acompanhava, e ver a velhinha ponte lá em baixo, por onde passava o comboio para Pias e Moura e, depois passavam os carros… foi há mais de 30 que o meu pai me levou lá, talvez em 1975, no período da Reforma Agrária, das ocupações, as azeitonas ficaram por apanhar naquela colina e… foram oferecidas penso que aos ferroviários. Tinha acompanhado o meu pai a Pias, onde ele se ía abastecer de azeite e, no regresso, descemos naquela apeadeiro e ali ficamos a apanhar azeitonas …, foi um dia memorável para mim! Teria talvez 12 anos. 33 anos depois voltamos aquele lugar mágico e o meu velho pai, nervoso e doente momentos antes ficou sereno ao ver o pôr do sol naquele ponte nova sobre o Guadiana e… depois levei-o a Serpa, linda, cheia de luz, branca ao anoitecer, levei-o a beber uma imperial, a melhor imperial do mundo, no “Lebrinha”...












…antes tínhamos estado no Congresso do Alentejo, agora tem outro nome, mas para o menino que voltou à ponte do Guadiana, é … será sempre o Congresso do Alentejo!








Numa comunicação breve que apresentámos, intitulada "CEDA e Memória Alentejana : Espaços de Valorização da Memória" evocámos a grande figura do poeta-rei, o bejense Al Mouhatamid, nascido talvez ali ao lado do belo Pax Júlia… citamos um excerto, com que terminamos, onde justamente se evoca a figura do poeta-rei:

“Depois de Monforte e de Montemor-o-Novo este é o terceiro Congresso do Alentejo em participamos – depois de quase um dezena de participações anteriores - enquanto Centro de Estudos Documentais do Alentejo – Memória Colectiva e Cidadania e enquanto Memória Alentejana. A designação do Congresso não é, para nós, relevante, seja Alentejo XXI, seja sobre ou do Alentejo, isso pouco diferença faz. Para nós é, como sempre foi, o Congresso do Alentejo, da grande Pátria do Sul, ou se, quiserem, da Mátria Alentejana – terra de Liberdade e de esperança, catedral do Cante, do vinho, do pão, do queijo e do silêncio, Pátria do sonho e da beleza ancestral em todo este vasto território, paisagem humanizada ao longo de milénios por onde passaram as grandes civilizações vindas do Mediterrâneo, que acolheu príncipes e plebeus, nomeadamente quando Portugal, porque usufruindo e valorizando todo o legado civilizacional anterior, liderava esse grande processo histórico que foi a Expansão Marítima, onde capitanearam alguns filhos do Alentejo, e falo de Vasco da Gama, ou até, porventura de Colombo.Todo o vasto Património, quer seja imaterial, quer seja construído, histórico – os cacos como lhes chama Cláudio Torres atesta esse passado rico e diversificado – como revelam a passagem dos povos que da bacia mediterrânica navegavam até Mértola – então “o último Porto do Mediterrâneo” para trocarem o nosso minério e artesanato pelas especiarias. Mas o fulgor fez-se de comércio mas fez-se também de poesia, de pensamento. Como não recordar aqui hoje o grande figura do maior poeta luso-árabe – Al Mouhatamid Ibn Abbâd – nascido nesta grande urbe, em 1040, provavelmente aqui ao lado, na Casa dos Corvos, já desaparecida. Ele e mais de meia centenas de grandes figuras das letras que viveram no nosso território entre os sécs XI e XIII, portanto no dealbar da nacionalidade, foram os fundadores da génese da nossa lírica, tanto a nível da estrutura como temático, e tiveram a sua continuidade em D.Dinis, na lírica Camoniana, em Bernardim Ribeiro – natural do Torrão, Alcácer do Sal até chegarem a Fernando Pessoa, que diz em determinado trecho sobre a Ibéria e o Iberismo, talvez duma forma excessiva, mas muito acertada:


Nós Ibéricos, somos o cruzamento de duas civilizações – a romana e a árabe. Somos, por isso, mais complexos e fecundos… Vinguemos a derrota que os do Norte infligiram aos Árabes nossos maiores. Expiemos o crime que cometemos, ao expulsar da Península os árabes que a civilizaram

Este bejense ilustre, que foi Rei em Sevilha, governando a mais importante Taifa de então, figura nas Mil e Uma Noite porque é de facto um grande poeta como se pode apreciar neste breve e poderoso poema, justamente intitulado,

Poder

meu olfacto é teu odor delicioso

e o teu rosto o senhor dos olhos meus

por seres minha, mesmo depois do adeus
é que todos me chamam poderoso














embora tenha sofrido as consequências da sua tolerância governativa – fez acordos com os príncipes cristãos e uma filha sua – a princesa Zaida casou com Afonso VI de Leão e Castela, avô de Afonso Henriques. Al Mouhatamid acabou vencido pelos Amorávidas que não lhe perdoaram a tolerância religiosa e morreu no degredo em Aghmat, a Sul de Marraquexe, qual D. Sebastião, mas governou com a sabedoria D. João II, o Príncipe Perfeito ou com a justiça de D. Pedro ou a eloquência de Dinis ou de D. Duarte.Porque estão estas figuras e o seu tempo esquecidos, sonegados da nossa Memória?... não obstante o excelente trabalho que na esteira de António Borges Coelho, Cláudio Torres, Santiago Macias e outros têm desenvolvido no âmbito do Campo Arqueológico de Mértola – com grande prestígio internacional - e inclusive a sua revista Arquelogia Medieval, das mais conceituadas a nível europeu. Isto para não falar de todo o trabalho de Adalberto Alves, que nos devolveu a beleza da grande produção poética de então, génese da nossa lírica, ou o estudo e revitalização da construção em Taipa, entre outros, pelo arquitecto José Alberto Alegria, actual cônsul de Marrocos no Algarve.”



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